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Territórios quilombolas de Tamboril entram no processo de tombamento nacional

Em um passo histórico para a preservação da cultura afro-brasileira no Ceará, a Universidade Federal do Ceará (UFC), em parceria com a Associação dos Remanescentes de Quilombola de Encantados de Bom Jardim (Arqueboj), protocolou em maio de 2025 o primeiro pedido de tombamento cultural de dois territórios quilombolas cearenses: Encantados de Bom Jardim e Lagoa das Pedras , localizados no município de Tamboril, região do Sertão de Crateús.

O processo foi encaminhado ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) por meio do projeto de pesquisa e extensão Clínica de Acesso a Direitos da UFC , dentro do subprojeto Quilombos e Patrimônio Cultural: Construção Coletiva no Ceará . Após análise técnica, o pedido agora aguarda avaliação final pelo Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural, via superintendência estadual do Iphan.

O objetivo vai além da demarcação territorial. Trata-se de reconhecer e proteger o patrimônio imaterial dessas comunidades — seus saberes, tradições, celebrações religiosas, modos de vida e formas de organização social que resistiram à escravidão e se mantêm vivos há gerações.

Proteção coletiva e protagonismo comunitário

Vinculado ao Instituto de Arquitetura, Urbanismo e Design (IAUD) da UFC e apoiado pelo Programa de Promoção da Cultura Artística (PPCA), o projeto tem como uma de suas principais diretrizes o fortalecimento do protagonismo quilombola . Por meio de oficinas, rodas de conversa, exposições e apoio na elaboração de dossiês técnicos, as comunidades têm sido capacitadas para participar ativamente do processo de preservação de sua própria história.

“Esse é um marco histórico”, afirma Rafael Vieira de Alencar , coordenador do projeto e representante da Clínica de Acesso a Direitos da UFC. “Com o tombamento, vamos garantir não apenas a proteção do solo ocupado pelos quilombos, mas toda a riqueza cultural ali existente: os saberes tradicionais, as festividades, os laços comunitários construídos ao longo de séculos.”

Atualmente, cerca de 100 famílias habitam uma área de 952 hectares , unindo os dois territórios. Apesar de já possuírem reconhecimento fundiário pelo Incra , concedido desde 2005, faltava o reconhecimento simbólico e legal do seu valor cultural perante o Estado brasileiro.

Luta pela visibilidade e reparação histórica

Para José Renato Ferreira , presidente da Arqueboj, conhecido como Renato Baiano , o tombamento representa muito mais do que um selo oficial: é um instrumento de reparação histórica . “É um momento de resgate histórico da nossa religiosidade, da nossa identidade e territorialidade. É dar visibilidade à luta do nosso povo”, diz.

Segundo ele, antes de 2005, as comunidades eram vistas como simples assentamentos de agricultores familiares. Foi a partir da união em torno da reivindicação de direitos que começaram a ganhar força política e reconhecimento público.

“Estamos aqui até hoje, resistindo, na luta por nossas origens, nossa cultura e religiosidade. Queremos habitar e gerir nosso território quilombola, e buscar políticas públicas de reparação e direitos ao nosso povo”, completa Renato.

Futuro planejado com raiz ancestral

Além da preservação, as comunidades já planejam o futuro com projetos ambiciosos. Entre as metas está a construção do primeiro museu quilombola do Ceará , uma escola audiovisual e uma escola de cultura alimentar , espaços que servirão tanto para fortalecer a identidade local quanto para promover o desenvolvimento sustentável das comunidades.

A visita institucional realizada nesta sexta-feira (16) marca um momento solene de reconhecimento. Representantes da UFC, do Iphan e da Assembleia Legislativa do Ceará estiveram presentes, incluindo os professores Rafael Vieira e Mario Fundaró (IAUD), Gracielle Siqueira (Mauc), Helena Stela Sampaio (CCA), Veronica Viana (Centro de Ciências) e a deputada estadual Larissa Gaspar .

“A inovação reside tanto no conteúdo — a salvaguarda de um território quilombola inteiro como patrimônio cultural — quanto no processo participativo adotado, reforçando o protagonismo das comunidades na preservação de sua história e cultura”, destaca Rafael Vieira.

Um legado que inspira o Brasil

O caso de Tamboril ilumina um caminho possível para outras comunidades quilombolas no Brasil. Ao integrar universidade, poder público e sociedade civil em um esforço conjunto, o projeto mostra como o conhecimento acadêmico pode ser posto a serviço da justiça social e da reparação histórica.

Caso o tombamento seja aprovado, os quilombos de Encantados de Bom Jardim e Lagoa das Pedras se tornarão referência nacional na proteção integrada do patrimônio cultural afrodescendente, consolidando o Ceará como um estado pioneiro na valorização da memória negra e na defesa dos direitos dos povos tradicionais.

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