A morte é um tema que muitas vezes evitamos. É como o sol do meio-dia, como disse certa vez um médico da Unimed Fortaleza: podemos olhar, mas não conseguimos sustentar o olhar por muito tempo. No entanto, é justamente nesses momentos de finitude que a humanidade e a compaixão se revelam com mais intensidade. Este é um relato sobre vida, morte, e o profundo impacto que um encontro pode ter na vida de um médico e de sua paciente.
Há uma semana, o médico Lindvaldo conheceu Dona Aila, uma senhora de cinquenta e poucos anos, em um leito de hospital. Antes de vê-la, ele leu seu prontuário: um diagnóstico de câncer avançado e irreversível. A pergunta que ecoou em sua mente foi: “O que eu, como médico, posso oferecer a ela?” A resposta veio em forma de presença, escuta e cuidado.
Dona Aila estava pálida e debilitada pela doença, mas seu olhar era sereno e sua voz, suave. Acompanhada pelo filho, Betinho, ela recebeu o médico com uma mistura de tristeza e esperança. Lindvaldo, com seu jeito animado e sorridente, apresentou-se e perguntou como ela estava. “Eu não estou bem. Sinto dores”, respondeu ela.
O médico prontamente se propôs a aliviar sua dor, mas a conversa que se seguiu foi além do físico. Dona Aila sabia que seu câncer estava em estágio terminal. “Ele disse que não tem mais jeito”, compartilhou, referindo-se ao oncologista que a acompanhava. Lindvaldo, com um nó na garganta, percebeu que sua missão ali não era curar, mas sim confortar.
Quando perguntou o que ela gostaria que ele fizesse, Dona Aila respondeu: “Que me curasse, doutor.” Apesar da impossibilidade, ela sorriu. Eles conversaram sobre sua vida, seus filhos, suas netas e seus desejos. Ela falou sobre o começo, o meio e o fim da vida, e confessou que gostaria de viver mais, mas aceitava que “Deus sabe de todas as coisas”.
No final da conversa, Dona Aila olhou para o médico e disse: “Obrigado por tudo, doutor. Aonde eu estiver, nunca esquecerei do senhor.” Lindvaldo, emocionado, respondeu: “Eu também nunca vou esquecer da senhora, Dona Aila. A senhora foi um presente na minha vida e veio para me ensinar além da medicina.”
Na segunda-feira seguinte, ele não a encontrou. Dona Aila havia partido.
EM TEMPO
A história de Dona Aila e do médico Lindvaldo nos lembra que, embora a medicina nem sempre possa curar, ela sempre pode cuidar. O controle da dor, a escuta atenta, o respeito pelos desejos do paciente e a presença humana são pilares fundamentais no fim da vida.
Lindvaldo compartilha que se sente angustiado, questionando o sentido de tanto esforço e sacrifício diante da inevitabilidade da morte. No entanto, sua experiência com Dona Aila mostra que o verdadeiro valor está nos pequenos gestos: proporcionar um último sorriso, um momento de alívio, a chance de ver o céu, sentir o vento no rosto ou saborear um gelinho tão desejado.
Casos como o de Dona Aila destacam a importância da humanização no cuidado paliativo, uma área da medicina que busca aliviar o sofrimento e melhorar a qualidade de vida de pacientes com doenças graves e irreversíveis. Não se trata de desistir, mas de redirecionar o foco para o conforto e a dignidade do paciente.
Para Lindvaldo, a experiência foi uma lição de humildade e amor. “Ela veio para me ensinar além da medicina”, reflete. E, de fato, Dona Aila deixou um legado: a certeza de que, mesmo diante da morte, há espaço para conexões profundas e significativas.
A história de Dona Aila nos convida a refletir sobre como lidamos com a finitude. Para os profissionais de saúde, é um lembrete de que a medicina vai além de diagnósticos e tratamentos. Para todos nós, é um alerta sobre a importância de valorizar cada momento, cada relação e cada gesto de cuidado.
E, enquanto Dona Aila descansa, seu sorriso e suas palavras continuam vivos na memória daqueles que a conheceram. Como disse Lindvaldo: “A senhora foi um presente.” E, nesse presente, há uma lição que permanece: a vida, mesmo em seus momentos mais difíceis, pode ser repleta de significado e amor.
Que possamos, como sociedade, aprender a olhar para o sol do meio-dia sem medo, e encontrar beleza mesmo naquilo que nos custa encarar.