Mais de 30 doenças relacionadas à falta de saneamento causaram, em média, 7,8% dos óbitos em internações no Brasil no período de 2021 a 2023. As enfermidades estão ligadas a condições precárias de acesso à água, tratamento de esgoto e manejo de resíduos sólidos.
No Ceará, algumas dessas doenças foram responsáveis por 18.008 internações e 3.884 óbitos de pacientes internados em 2023. Os dados são de uma pesquisa realizada pela Associação e Sindicato Nacional das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon Sindcon) com dados do Sistema Único de Saúde (SUS).
Conforme o levantamento, o Ceará é o terceiro estado com maior participação de patologias ligadas à falta de saneamento na média de óbitos em internações registrados no período da pesquisa. Nos três anos analisados, a taxa de participação das doenças nos óbitos do Ceará é de 13,3%. O Estado só fica atrás do Amazonas (15%) e de Pernambuco (13,7%).
Em 2021, as doenças causaram 8,9% das mortes de pacientes internados no Ceará, em 2022 foram 14,9% e em 2023 foram 17,2% do total.
Dengue, chikungunya, zika, difteria, leptospirose, febre tifoide, hepatites e leishmaniose são algumas das doenças que podem ser proliferadas e transmitidas com mais facilidade em ambientes insalubres.
Os sintomas das doenças são diversos, pois cada uma é causada por um patógeno diferente. São fungos, bactérias e vírus transmitidos de inúmeras maneiras, por vezes envolvendo outros animais ou mosquitos como vetores.
“Você vai vendo a abrangência de doenças quando você entende que saneamento não é só água e esgoto, é muito mais do que isso. Nós temos uma diversidade muito grande de agentes etiológicos e cada uma tem suas especificidades”, explica Lydia Pantoja, professora do departamento de ciências biológicas da Universidade Estadual do Ceará (Uece).
As doenças têm um aspecto importante em comum: a proliferação é facilitada por meio da água suja, pelo preparo e armazenamento inadequado de alimentos e pelo acúmulo de lixo. A professora chama atenção para o potencial risco que as enfermidades podem trazer.
“Muita gente acha que o problema é uma diarreia, uma disenteria, um pico febril, um mal-estar, uma coceira de pele. Mas nós temos agentes etiológicos que podem matar”, explica.
A leptospirose, por exemplo, transmitida a partir do contato com a urina de ratos infectados, evolui para manifestações clínicas graves em 15% dos casos, comprometendo os rins e o pulmão do paciente.
Lydia chama atenção também para a gravidade da febre tifoide, causada pela bactéria Salmonella enterica de sorotipo Typhi. Em casos graves, a doença pode resultar em hemorragias intestinais e na perfuração do intestino.
Há ainda as doenças causadas por parasitas intestinais, os “vermes”. Além de causar grande desconforto com diarreias agudas, essas enfermidades podem acarretar em casos de desnutrição. Em crianças, isso afeta inclusive o desenvolvimento.
“Se eu não tratar adequadamente, se eu não buscar um serviço de saúde de qualidade, eu posso chegar a um óbito”, afirma.
Os gastos com internações de pacientes com doenças relacionadas à falta de saneamento também foram analisados no levantamento da Abcon Sindcon. No Ceará, em média, foram R$ 36 milhões nos últimos três anos, o que equivale a 4,4% dos gastos com internações no geral.
Falta de saneamento pode afetar desenvolvimento e aprendizagem infantil
Diarreias constantes, alergias na pele e problemas respiratórios já incomodam o dia a dia de inúmeros adultos que vivem em locais sem saneamento básico adequado. Para crianças, esses fatores podem prejudicar o desenvolvimento neurológico, a aprendizagem na escola e ter consequências para toda a vida.
Ao receber alimentos ou água contaminada, as crianças podem adquirir patologias que influenciam na absorção de vitaminas pelo organismo. Sem alguns desses nutrientes essenciais, como o ferro, a tendência é de desenvolvimento de anemia, apatia e sonolência.
“A criança fica com dificuldade na escola, não consegue interagir, prestar atenção. Isso atrasa o desenvolvimento”, explica a enfermeira Márcia Machado, cientista-chefe da Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Funcap) e integrante do comitê científico do Núcleo Ciência Pela Infância (NCPI).