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CRÔNICA – Quando a indesejada das gentes… do tamborilense Pedro Salgueiro.

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Por mais que alguns tentem “naturalizar” a presença da morte, torná-la, digamos, uma “fase natural” da vida, a verdade é que ela sempre nos pega de calças na mão; desconfio que mesmo o mais desenganado dos doentes, o mais velhinho dos pacientes, tende a não acreditar que um dia “ela” vá finalmente lhe visitar. Por mais consciente e racional que sejamos existe algo de misterioso em nós que faz com que não acreditemos nessa triste sina. E esse mistério sem mistérios nos ilude com a sensação de uma vida eterna, ou um esquecimento de uma vida perene.

Até uma determinada idade a morte era algo muito distante de mim, e que apenas acontecia com os outros, afinal nunca um familiar, amigo ou mesmo gente de meu convívio havia morrido; quando muito vira uma tia de minha mãe que vendia miçangas na feira (a saudosa tia Mocinha da Lagoa Grande) em seu caixão de pobre ou um priminho que mal sobreviveu aos primeiros dias de vida. Para mim a “indesejada das gentes” era, até a adolescência, quase uma ficção besta, quando ela finalmente resolveu dar as caras da forma mais cruel possível: levou meu pai em plena mocidade dos seus 58 anos, sem um fio de cabelo branco na vasta cabeleira orgulhosamente penteada para trás.

Desde então a trato com desconfiança, num misto de nostalgia, ironia e medo. Quando penso nela, tento fazê-lo com leveza, com velada altivez, até mesmo com uma estudada displicência, mas nem sempre consigo, principalmente nos últimos tempos, quando tenho perdido parceiros e amigos em demasia (paro de quando em vez pra inutilmente contabilizar as inúmeras perdas: José Maria, Natércia, Eduardo, Lúcio Flávio, Francisco, Alcides, Bulcão, Nilto… e mal faz um ano deste já o nosso querido Audifax se vai, com tantos sonhos em andamento).

E que susto tomo quando anualmente visito o cemitério da minha pequena Tamboril e tristemente constato que já meus amigos, parentes e conhecidos são mais numerosos do lado de dentro que do lado de fora. Mas para combater tristeza tão grande só mesmo recorrendo aos mistérios da arte, só lendo, por exemplo, os poemas de quem, como Manuel Bandeira, aprendeu a conviver desde moço com os desígnios da dama cruel. Quem sabe neste restinho de caminhada não aprenda a – pelo menos, como o velho bardo – “conviver bem” com a morte:

“Quando a Indesejada das gentes chegar
(Não sei se dura ou caroável),
talvez eu tenha medo.
Talvez sorria, ou diga:
– Alô, iniludível!
O meu dia foi bom, pode a noite descer.
(A noite com os seus sortilégios.)
Encontrará lavrado o campo, a casa limpa,
A mesa posta,
Com cada coisa em seu lugar.”
(“Consoada”, Manuel Bandeira)

(Crônica publicada pelo Jornal O POVO)

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