O agricultor Vicente Pinto de Carvalho Neto, morador da comunidade Irapuá, em Nova Russas, conta que já morou no Rio de Janeiro, mas que nunca pensou em deixar o Ceará para sempre. “A gente nunca esquece a terra seca.”
Os longos períodos de estiagem no Sertão nordestino vieram, durante muitos anos, acompanhados da figura do retirante. Em geral, famílias inteiras se deslocavam em direção às capitais, fugindo das consequências da seca.
No Ceará, essa dinâmica provocou intensas mudanças em um estado que era essencialmente rural no início do século 20.
Dois marcos históricos mudaram as condições de sobrevivência do retirante que vai para a cidade, especialmente Fortaleza, em busca de melhores condições de vida: a Grande Seca de 1877 e a criação da Inspetoria de Obras Contra as Secas (Iocs).
O historiador José Weyne, professor da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab), explica que a seca de 1877 fez surgir um projeto político que usava os retirantes como mão de obra para a realização de obras públicas. “A intenção era tentar equiparar o Ceará com o Centro-Sul em termos de progresso. Foram construídas pontes, igrejas, escolas. Com a seca e o sertanejo disponível para o trabalho, passou-se a usar a mão de obra como contrapartida ao socorro prestado pelo governo aos retirantes. Então, era importante que eles migrassem.” O projeto foi chamado de Pompeu-Sinimbu por conta dos nomes dos agentes políticos responsáveis por elaborá-lo e executá-lo: senador Pompeu e Visconde de Sinimbu.
A criação, em 1909, da Iocs, precursora do atual Departamento de Obras Contra as Secas (Dnocs), muda esse panorama. Segundo o professor José Weyne, as elites decidem reformular o projeto de desenvolvimento de forma que as obras públicas fossem executadas pela Iocs em períodos fora da seca, o que faz com que a mão de obra do retirante não seja mais necessária e, em consequência, ele seja indesejado na cidade.
Na Seca do 15, o governo já não permitia que os migrantes circulassem pela área central de Fortaleza. Os retirantes passaram, então, a ser colocados em áreas periféricas da cidade, em locais cercados que ficaram mais conhecidos como campos de concentração.
“Essa prática de isolar as pessoas ocorria predominantemente em Fortaleza. Ainda havia resquícios das comissões de socorro, que destinavam recursos para o sustento dessas pessoas, mas elas não podiam circular pela cidade. Ficavam aglomeradas em condições impróprias para morar, sem higiene, e com condições alimentícias precárias. As condições de segurança eram péssimas e havia a exploração sexual de mulheres e crianças, inclusive pelos próprios encarregados dos socorros públicos”, explica o historiador.
Nos períodos de seca que se seguiram após 1915, o retirante passou a migrar para fora do estado. Segundo Weyne, o governo do Ceará fornecia a passagem para que eles saíssem da região. “Esse indivíduo que foge da fome na região vai ser malvisto no Sul e no Norte, vai ser tratado como pária. Isso levará a representações de que a população do Nordeste é inferior e subalterna, de que, por ser migrante, vai perturbar a ordem das cidades.
(Agência Brasil)